Temer é um dos poucos que gosta dos bastidores e da liturgia do poder
No cargo de vice-presidente da República, o paulista Michel Temer deu sua fisionomia ao PMDB e, com discrição, comanda a máquina partidária há 11 anos
Discreto, protocolar, litúrgico e um dos poucos políticos que, em vez da voz alta, usa os ouvidos para tomar decisões, o vice-presidente da República, Michel Temer, uniu e colocou o PMDB como uma espécie de fiel da balança nas eleições de 2014.
Com o mais importante cargo na linha sucessória do Palácio do Planalto, a hegemonia no comando do Congresso, o maior número de prefeitos (1.421), de vereadores (7.825), de deputados estaduais (147), quatro governadores, a segunda maior bancada na Câmara (77 deputados federais) e a maior no Senado (21 senadores com a adesão de Kátia Abreu, do Tocantins) desde a eleição da presidente Dilma Rousseff, em 2010, o PMDB se uniu em torno do nome de Temer. Hoje licenciado por conta das atribuições do cargo de vice, Temer comanda a máquina partidária há 11 anos e deu sua fisionomia ao PMDB.
“Reconheço que o Michel vem exercendo um papel importante na conciliação do PMDB. Ao contrário de outros vices, pela discrição, experiência política e o perfil conciliador, ele conquistou um peso específico e importante no partido e nas decisões do governo”, diz o senador Pedro Simon (PMDB-RS), independente e peemedebista histórico. Em várias ocasiões Simon se insurgiu contra a ala governista do partido, da qual Temer é um dos idealizadores.
Tanto cacife obriga que nenhuma decisão relevante na relação com o governo deixa de passar por Temer. É dele também a costura que garantiu o acordo que levou a presidência da Câmara ao decano Henrique Eduardo Alves (RN) e Renan Calheiros (AL) à presidência do Senado. A contrapartida é o aval que garante a ele, mais uma vez, a vaga na dobradinha pela sucessão presidencial.
O PMDB também acumula, por força do acordo, cinco pastas importantes na Esplanada (Minas e Energia, Agricultura, Aviação Civil, Turismo e Previdência) e, ainda, a possibilidade de agregar um sexto ministério, o da Integração Nacional, desocupada pelo ex-ministro Fernando Bezerra com o racha que separou o PSB da base aliada. O nome de consenso costurado por uma articulação de Temer junto aos senadores e deputados numa eventual reforma em janeiro é o do senador Vital do Rego (PMDB-PB).
Conciliação
Aos 73 anos, filho de libaneses, caçula de uma família de oito irmãos, seis mandatos de deputado federal (de 1987 a 2011), líder em várias legislaturas e presidente da Câmara por três vezes (1997, 1999 e 2009), o grande desafio desse paulista de Tietê, católico, professor de direito e advogado, é tirar do PMDB a fama de partido paroquial e fincar a bandeira da legenda justamente em sua base eleitoral, o disputadíssimo Estado de São Paulo.
Se a chapa nacional está consolidada – conforme ele mesmo não se cansa de repetir – o trabalho de maior fôlego agora é unir o partido em torno do empresário Paulo Skaf, que se impôs como candidato depois que outro pupilo de Temer, o deputado Gabriel Chalita, caiu em desgraça por suspeitas de corrupção.
Michel Miguel Elias Temer Lúlia, ou simplesmente Michel para os peemedebistas, entrou na política durante o governo de Ademar de Barros como chefe de gabinete do então secretário de Educação, Ataliba Nogueira. Em 1983, no governo Franco Montoro, já filiado ao PMDB dois anos antes, virou procurador-geral do Estado de São Paulo. Um ano depois, foi nomeado secretário de Segurança Pública, cargo que voltaria a exercer em 1992, já na gestão do ex-governador Luz Antônio Fleury Filho, com a missão de debelar uma das maiores crises da segurança pública paulista, deflagrada com a chacina dos 111 presos do Carandiru.
“Era um momento muito difícil. Com habilidade e espírito de conciliação, ele pacificou a segurança. O Temer é extremamente leal, correto e hábil articulador político”, derrama-se em elogios o ex-governador Luiz Antônio Fleury Filho. A primeira medida de Temer como secretário foi chamar a sociedade civil a participar da política de segurança, o que acabou resultando no único episódio que se tem notícias de uma reação voluntarista. Numa reunião com o Conselho da Polícia Civil, um dos “cardeais” chegou a ameaçar que pediria demissão caso os interesses da polícia fossem misturados aos grupos de direitos humanos.
“Pois se o senhor formalizar o pedido de demissão, eu aceitarei”, reagiu o então secretário, numa das raras ocasiões em que alterou a voz. O cardeal silenciou-se. Depois, a amigos, ele confidenciou que seu jeito cerimonioso às vezes levava as pessoas a confundir com frouxidão.
Quando Temer assumiu a segurança, em 1992, as tropas de choque da PM haviam chegado ao auge da matança de civis em alegados conflitos de rua: 1.421 mortes. Além de reforçar as corregedorias, ele adotou duas singelas medidas para inibir os excessos: a perícia deveria fazer o exame residuográfico (que mede a presença de pólvora) nas mãos das vítimas para confirmar se ela reagiu a tiros à ordem policial; os agentes envolvidos em conflitos sairiam das ruas e, depois de tratamento psiquiátrico, seriam remanejados para áreas administrativas. No final do ano seguinte, as estatísticas registravam 377 mortos de civis, uma drástica redução e a comprovação das suspeitas de que grande parte dos conflitos, na verdade, era execução de supostos criminosos.
A atuação na segurança levou Fleury a nomeá-lo Secretário de Governo, cargo em que acumulava a Casa Civil e o colocava como o segundo na hierarquia do Palácio dos Bandeirantes, responsável pela articulação política. “Ele me ajudou muito”, afirma Fleury, que não conhece personagem com quem Temer tenha se incompatibilizado. “Pode procurar um inimigo dele. Não vai encontrar”, garante.
O vice-presidente da República é assim. Um homem de união. Um aparador de arestas, como define o cientista político Gaudêncio Torquato. Cerimonioso e conciliador, tornou-se um confessor que une figuras tão diferentes como Renan Calheiros e José Sarney. O PMDB é para profissionais.
Dos caminhos do Legislativo à poesia
Advogado formado pela Universidade de São Paulo (USP), constitucionalista e estudioso das questões jurídicas, deve-se a Temer o parecer que destrancou a pauta da Câmara quando esta era travada pelas medidas provisórias emitidas pelo governo. Ele apresentou uma interpretação mostrando que a pauta só seria trancada para as matérias ordinárias própria das MPs, o que deixava a Mesa livre para votar outros projetos em sessões extraordinárias.
O parecer de Temer acabou sendo respaldado pelo decano do Supremo Tribunal Federal (STF), Celso de Mello em decisão que virou jurisprudência. Temer sabe como ninguém os atalhos existentes entre o Legislativo e o Executivo, lembra o cientista político Leonardo Barreto. Mas nem tudo são flores: na disputa pela liderança do partido na Câmara, ele perdeu a parada. Quem levou foi um adversário do Palácio do Planalto, o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Desde então, diante da incapacidade do vice em vetar Cunha, o Planalto passou a conversar diretamente com o Congresso.
Sempre que o acusam de fisiológico, Temer responde com os números sobre a capilaridade do PMDB e seu direito de governar. Tantos anos na política também renderam desgaste. Em 2009, seu nome foi citado 21 vezes numa lista de supostas doações não declaradas encontradas na Construtora Camargo Corrêa durante a Operação Castelo de Areia, da Polícia Federal. Depois, no caso do Mensalão do DEM, no Distrito Federal, foi acusado por um dono de jornal de ter recebido dinheiro para afastar do partido o ex-governador Joaquim Roriz. Ele negou e, para se defender, abriu uma ação contra o detrator.
Em 2009, o Departamento Intersindical de Assistência Parlamentar (Diap) apontou Temer como o mais influente congressista. Constitucionalista, o vice-presidente escreveu várias obras sobre direito, entre elas Elementos do Direito Constitucional que, na 26ª edição, com perto de 250 mil exemplares vendidos, é referência nas faculdades de direito. Ele também andou incursionando pela literatura: no ano passado lançou “Anônima Intimidade” (Editora Topbooks), uma coletânea de poesias escritas em guardanapos durante as viagens de avião pelo país.
Tirar a obra do âmbito íntimo mostrou-se uma surpreendente exceção da vida pública de um homem que, como poucos, gosta dos bastidores e da liturgia do poder.