No Brasil, 44% começam a trabalhar antes dos 14 anos
Mesmo entre trabalhadores mais jovens, ingresso precoce é frequente
RIO – No momento em que o país se prepara para uma reforma da Previdência, que vai exigir que as pessoas trabalhem por mais tempo para garantir a aposentadoria, dados do IBGE mostram que o brasileiro ainda começa a trabalhar cedo. Em 2015, 44,2% dos ocupados maiores de 14 anos haviam começado a trabalhar antes de completar essa idade. Dez anos antes esse indicador era ainda pior: os trabalhadores precoces representavam 56% do total de pessoas trabalhando.
A entrada precoce no mercado de trabalho é mais comum entre os idosos: em 2015, dois terços deles (67,7%) tinham começado a trabalhar com até 14 anos. Entre os ocupados de 15 e 29 anos de idade essa parcela também é expressiva: 29,2% entraram no mercado de forma ilegal, já que a legislação brasileira proíbe o trabalho para jovens até 14 anos. Os dados são da Síntese de Indicadores Sociais do IBGE, divulgada ontem.
— É um número altíssimo. O trabalho antes dos 14 anos é ilegal e, em geral, é informal, com todas as suas desvantagens. Esse jovem ou não estuda ou estuda pouco, o que compromete seu futuro e o do país, porque há grandes chances de ter baixa produtividade.Na avaliação do professor do Instituto de Economia da UFRJ João Saboia, a parcela dos trabalhadores jovens (entre 15 e 29 anos) que entra cedo no mercado de trabalho é muito alta e prejudica as perspectivas para a vida profissional dessas pessoas:
MAIORIA SÓ TEM O FUNDAMENTAL
Apesar da preocupação com o dado, Saboia afirma que ele não pode ser argumento para rebater a reforma da Previdência. Isso porque, segundo ele, com o envelhecimento da população, é preciso evitar, de forma urgente, as aposentadorias precoces.
— Independentemente do fato de ter começado a trabalhar cedo, não é justo que as pessoas se aposentem aos 55 anos, por exemplo. Sou a favor da idade mínima de 65 anos. A população idosa vai crescer muito, enquanto a de jovens tende a diminuir. Esse quadro mostra a seriedade do problema da Previdência — afirma o professor da UFRJ.
Clemente Ganz Lúcio, diretor técnico do Dieese, observa, contudo, que, historicamente, entram precocemente no mercado de trabalho os mais pobres. Portanto, a reforma, ao propor eliminar a aposentadoria por tempo de contribuição e fixar em 65 anos a idade mínima para acessar o benefício, é injusta com a maioria mais pobre:
— O tempo de participação no mercado de trabalho é muito desigual. Jovens de classe média tendem a entrar no mercado só depois dos 25 anos.
Além disso, os idosos que se mantêm na ativa tendem a ter um grau de escolarização mais baixo que o das demais faixas etárias. Entre as pessoas ocupadas de 15 a 29 anos de idade, a média de anos de estudo era de 10,1 anos em 2015. No grupo de 30 a 59 anos, o número caiu para 8,9 anos. Já entre aqueles ocupados acima dos 60 anos, o número é menor, de 5,7 anos. Assim, 65,5% dos idosos inseridos no mercado de trabalho tinham como nível de instrução o ensino fundamental (ou equivalente) incompleto.
O DOBRO DE IDOSOS EM 20 ANOS
Para Lúcio, a menor escolarização do grupo mais velho é reflexo direto da entrada precoce no mercado de trabalho:
— O trabalho precoce aumenta o risco de abandono dos estudos ou compromete a qualidade da aprendizagem, porque o jovem precisa se dividir entre o trabalho e a escola. Isso impacta seu futuro profissional. Com menor grau de escolarização, tende a ocupar postos de trabalho mais precários e com salário baixo.
‘Só com aposentadoria não dá para se virar. Enquanto eu tiver disposição, e as empresas acharem que represento alguma coisa para elas, vou ficando’
– UNILTON SANTOSAposentado que começou a trabalhar aos 14 anos e, aos 66, ainda não parou
Natural de Aracaju, Unilton Santos, de 66 anos, exemplifica o problema. Para ajudar a família, começou a trabalhar aos 14 e teve de interromper os estudos. Só completou o ensino fundamental.
— Fiz de tudo. Engraxei sapato, vendi fruta na feira, carreguei bolsa de madame. Era só o meu pai trabalhando, e a família era grande, com sete filhos. Os mais velhos tiveram que se virar para ajudar — lembra.
Seu primeiro emprego com carteira assinada foi aos 18 anos, na área de serviços gerais de uma empresa de transporte. Poucos meses depois, se mudou para Nilópolis, na Baixada Fluminense, para “tentar a sorte”. Desde então, Unilton já trabalhou em um posto de gasolina, foi metalúrgico e motorista de ônibus. Em 2011, aos 61, deu entrada na aposentadoria. Mas não parou de trabalhar. Hoje, casado e com três filhas, é motorista em uma empresa de transporte:
— Só com aposentadoria não dá para se virar. Tenho que dar um suporte para as meninas. Enquanto eu tiver disposição, e as empresas acharem que represento alguma coisa para elas, vou ficando.
Para o professor da Universidade Candido Mendes e especialista em previdência Paulo Tafner, a idade de entrada do trabalhador no mercado está subindo. A tendência de expansão da população idosa e redução dos mais jovens vai aumentar o ônus para os trabalhadores arcarem com a previdência no futuro.
— É cada vez maior a percepção das pessoas de que não é possível manter as atuais regras de aposentadoria, em um país onde a parcela dos idosos na população vai dobrar em pouco mais de 20 anos. Se nada for feito, será preciso cortar benefícios no futuro. Seria uma insanidade chegar a este ponto. Dá tempo de fazer a reforma da Previdência sem cortar benefícios — aponta Tafner.
*Estagiário, sob a supervisão de Lucianne Carneiro