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Estado Islâmico recruta ocidentais para fazer uma sofisticada ‘voz do califado’

Estado Islâmico recruta ocidentais para fazer uma sofisticada ‘voz do califado’



Grupo jihadista usa artimanhas da mídia profissional na rádio al-Bayan

PARIS – Após uma seleção de músicas, o apresentador com sotaque americano transmite as principais notícias do dia: vitórias do grupo jihadista Estado Islâmico num novo tipo de ufanismo dos movimentos terroristas. As transmissões da rádio al-Bayan podem ser comparadas às de qualquer emissora pública do Ocidente — como a famosa NPR americana — mas o tom é exatamente o oposto.

O objetivo não é informar, mas recrutar ocidentais: até dez mil já terão atendido ao chamado do autoproclamado califado por volta do fim do ano, segundo projeções, para combater e preencher os espaços da vida social esvaziados pelo próprio EI em sua expansão na Síria e no Iraque.

Na rádio do califado, o inimigo sempre foge derrotado ou é morto. E, no final, a vinheta em inglês dá um desfecho profissional: “Agradecemos aos nossos ouvintes por nos sintonizarem”.

A aparente contradição entre as produções de estilo ocidental e seu conteúdo extremista mostra como a máquina de propaganda terrorista evoluiu desde 2012, quando o francês Gilles Le Guen postou uma foto do front jihadista e ameaçou a França em nome da al-Qaeda no Magreb Islâmico. A gravação era ruim e foi parar num site obscuro. Já a rádio al-Bayan alcança milhares de ouvintes nos links que transmite pelas redes sociais, de olho no recrutamento de ocidentais.

ADVERTISEMENTShow da jihadNo tempo que demorou para que Guen fosse julgado, seus sucessores europeus na jihad reinventaram a forma de fazer recrutamento de tal maneira que poderiam impressionar uma agência de relações públicas de Nova York. Os vídeos do Estado Islâmico mostram homens de olhos claros e são editados com técnicas que os deixam parecidos com anúncios de turismo. Uma semana típica de recrutamento inclui transmissões em três línguas, com destaques para os ataques suicidas. Um vídeo editado na França mostra recrutas fazendo treinamento jihadista.

— Eles querem europeus em geral. Qualquer um que possa ir, lutar, criar o Estado Islâmico, fazer o califado — explica Sebastien Pietrasanta, um advogado francês que trabalha com desradicalização. — Estimamos que possam ser cinco mil neste ano, dez mil… Não estamos enfrentando um problema de segurança, mas de sociedade.

Os câmeras também são heróis na batalha: num vídeo dedicado aos que produzem a comunicação da jihad, um combatente diz que os porta-vozes fazem “metade da batalha, se não ela inteira”. Em abril, uma gravação convocava médicos para que se juntassem ao EI. As imagens mostravam equipamentos e uma aparelhagem neonatal nova. Um australiano de olhos azuis prometia a novos recrutas que eles poderiam ajudar a acabar com o sofrimento de muçulmanos que não têm acesso a medicina adequada. A gravação se assemelhava em qualidade aos anúncios de programas de governo feitos em televisões públicas.

Numa rádio jihadista no site Ask.fm, uma pessoa que se identificava como britânica moradora em território dominado pelo EI afirmava que os recém-chegados poderiam fazer faculdade de Medicina de graça. Em uma série de tuítes, outra pessoa afirmando ser britânica diz que a gasolina é subsidiada, a água, gratuita, e os serviços odontológicos são superiores aos oferecidos no Ocidente.
 
Algumas pessoas aparecem frequentemente como recrutadoras: uma mulher de Glasgow estaria ajudando meninas do Reino Unido a irem para a Síria; um combatente holandês oferece entrevistas sobre a jihad e uma página na internet sobre o tema; um francês de olhos azuis aparece em vários vídeos pedindo a seus compatriotas que se mudem para os territórios ocupados pelo EI.

Enquanto isso, o Ocidente tem demonstrado dificuldade para combater essa retórica, reconhecem analistas. Um estudo da Brookings Institution publicado em março mostra que num período de dois meses havia mais de 46 mil contas no Twitter apoiando o EI.

— Neste momento, é mesmo só o Estado Islâmico que está contando a história — diz Peter Neumann, especialista em radicalização e violência política no Kings College de Londres.