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Entrevista publicada originalmente na edição 107 de Época NEGÓCIOS, em janeiro de 2016  Hélio Bicudo

Entrevista publicada originalmente na edição 107 de Época NEGÓCIOS, em janeiro de 2016 Hélio Bicudo



O jurista Dalmo Dallari diz que não há, até aqui, base jurídica para sustentar o impeachment da presidente. Segundo ele, alguns grupos estão tentando “rasgar” a Constituição

Entrevista publicada originalmente na edição 107 de Época NEGÓCIOS, em janeiro de 2016
 
Dalmo Dallari, 84 anos, talvez seja o mais famoso jurista a se levantar publicamente contra um possível impeachment da presidente Dilma Rousseff. Diz que o processo, com os argumentos atuais, não tem base jurídica. Ele, que rascunhou com Miguel Reale Jr. e Hélio Bicudo o pedido de impeachment do ex-presidente Fernando Collor, em 1992, agora está em frontal oposição aos dois colegas. “Nenhuma alegação feita até agora dá sustentação legal ao impeachment. Se o processo não for aplicado em todas as suas minúcias constitucionais, ele se configura como um golpe de Estado.” Apesar disso, Dallari diz estar tranquilo com o Brasil. Nesta entrevista, elogia a atuação do STF, fala de Lula com admiração, discorre sobre a Constituição (uma de suas paixões) e garante que é um cidadão apartidário. 
 
A conversa ocorreu em sua casa, que ele chama de roça – uma roça cravada no meio de um dos bairros mais movimentados de São Paulo, a Vila Nova Conceição. Dallari mora ali há 50 anos. “Aqui tem pé de caqui, jabuticaba, uvaia. Já ouviu falar? Os passarinhos adoram”, ele diz, exibindo o pomar. “Sempre recebo a visita de beija-flores e pardais, é um privilégio.” Tucanos não são vistos por lá. Talvez não gostem de uvaia.  
 
Época NEGÓCIOS  Tem gente querendo rasgar a Constituição brasileira?
Dalmo Dallari  Eu acho que infelizmente tem gente que ainda não tomou consciência do significado e da importância da Constituição. A atual Constituição brasileira é uma das mais democráticas do mundo, pois foi feita com muita participação popular. No momento em que foi criada, havia uma grande mobilização contra a ditadura e em defesa dos direitos do cidadão. Tenho muito orgulho de ter participado de um movimento que estimulou a participação do povo na Constituinte e resultou na criação de uma comissão especial para emendas populares. É uma Constituição modelar. O que eu lamento é que alguns políticos brasileiros e até mesmo gente de fora da política, mas com grande responsabilidade social, não percebem isso. E desprezam a Constituição. Felizmente é a minoria. Eu não vejo nenhuma possibilidade de ocorrer, como apregoam pequenos grupos, um golpe militar, por exemplo. Isso é uma tolice, que não tem o mínimo apoio constitucional.
 
Época NEGÓCIOS  O governo e seus aliados sustentam que o impeachment, hoje, seria um golpe. Concorda?
Dalmo Dallari  Se não for aplicado em todas as suas minúcias constitucionais e legais ele se configura, sim, como um golpe de Estado. A Constituição prevê o impeachment. Mas exige o cumprimento de uma série de procedimentos justamente porque é uma decisão grave para o país. Em vários artigos, sobretudo o 86 e o 88, existem regras bem específicas sobre impeachment. Hoje, não há base jurídica para um processo assim. Mas ele está em curso.
 
Época NEGÓCIOS  O que o senhor achou do julgamento do STF sobre o rito do impeachment?
Dalmo Dallari  Eu acho que está havendo, no Supremo Tribunal, uma discussão madura sobre o processo. Estou confiante. Acredito que o Supremo vai assegurar a continuidade da ordem constitucional.
 
Época NEGÓCIOS  Pedalada fiscal é crime?
Dalmo Dallari  Absolutamente. Pelas exigências da Constituição e pelas exigências específicas da lei que regula o crime de responsabilidade, que é a lei 1.079, de 1950, as pedaladas não configuram um crime de responsabilidade. A pedalada não significa alguém ter se apossado de dinheiro público ou ter desviado esse recurso para um fim ilegal. É um jogo contábil, a transferência de dinheiro de um fundo público para outro fundo público. Não é crime de responsabilidade.
 
Sérgio Moro deu uma grande contribuição para que se acabe no Brasil com a figura do criminoso privilegiadoÉpoca NEGÓCIOS  É o que a presidente alega. Ela diz que a pedalada foi usada para os programas sociais…
Dalmo Dallari  É muito importante lembrar que Fernando Henrique fez pedaladas também. E eu não diria que cometeu um crime. Fazia um jogo contábil em função da arrecadação, adaptando os recursos disponíveis às necessidades de cada circunstância. Pedalada é um artifício administrativo. Pode-se até querer discutir a moralidade desse artifício porque, de certo modo, ele está escondendo uma realidade. Mas não é crime.
 
Época NEGÓCIOS  O senhor ajudou na elaboração do pedido de impeachment de Fernando Collor. Naquela época era legítimo o pedido, hoje não?
Dalmo Dallari  Havia acusações precisas, comprovação de desvio de recursos públicos em benefício pessoal. Se amanhã houver fundamentos consistentes para sustentar que Dilma praticou crimes de responsabilidade, eu serei a favor de punições, do impeachment. É importante dizer que nenhuma das alegações feitas até agora dá essa sustentação jurídica. Por exemplo: a Constituição diz que o presidente só poderá ser responsabilizado por atos que configurem ilegalidade durante o exercício de seu mandato. Alguns dizem: quando começaram os problemas na Petrobras a Dilma era a presidente [do conselho]. A alegação de que ela tenha participado de esquemas para tirar proveito pessoal não se provou. E, além do mais, ela não era presidente da República. Temos de nos ater ao rigor da lei.
 
Época NEGÓCIOS  O senhor diz que é apartidário. Como se define politicamente?
Dalmo Dallari  Sou um democrata. E um democrata de verdade pode estar à direita ou à esquerda, dependendo das circunstâncias.
 
Época NEGÓCIOS  Como o cidadão Dalmo Dallari vê o Brasil hoje?
Dalmo Dallari  Estou tranquilo. Acompanho, naturalmente, com o máximo interesse. Às vezes, fico indignado com a atitude de certos parlamentares. Fala-se muito em bancada parlamentar. Eu chamo de bancada “para lamentar”, dada a falta de ética dessa turma. Mas sou otimista. Acho que a situação vai se resolver e o país seguirá o seu caminho.
 
Época NEGÓCIOS  Qual a sua opinião sobre os protestos populares contra o governo?
Dalmo Dallari  São legítimos. Só não, quando defendem uma ilegalidade. Muita gente diz: não importa se é legal ou não, tem de tirar a Dilma. Isso é antijurídico.
 
Época NEGÓCIOS  Qual a sua opinião sobre o governo do PT?
Dalmo Dallari  Com o Lula, deu-se pela primeira vez a aplicação plena da Constituição, sobretudo no tocante aos direitos sociais. Foram criados vários mecanismos para corrigir desníveis sociais. Não podemos perder essa conquista.
 
Época NEGÓCIOS  E o capítulo corrupção? O caso Petrobras, o Mensalão?
Dalmo Dallari  Isso não está totalmente ao alcance do presidente da República. As instituições têm grande margem de autonomia. É um absurdo querer que um presidente da República esteja a par de tudo, controle tudo. É preciso, sim, que haja a máxima vigilância do Ministério Público, do povo, da imprensa. Temos de punir os que estiverem de fato envolvidos. Mas que a acusação seja fundamentada. Se não vira jogo político.
 
Época NEGÓCIOS  Qual a sua opinião sobre Sérgio Moro, MPF e Polícia Federal?
Dalmo Dallari  De modo geral, eles têm agido bem. Há sempre o risco, no caso do juiz Sérgio Moro, de um certo deslumbramento. Acho que, em alguns casos, ele exagerou, mas no conjunto ele foi positivo. Moro deu uma contribuição importante para que se acabe no Brasil com a figura do criminoso privilegiado.
 
Época NEGÓCIOS  Onde o juiz Sérgio Moro exagerou?
Dalmo Dallari  No conjunto, ele foi positivo. 
 
FONTE:Época NEGÓCIOS