NOTÍCIAS

Em Visp, Blatter mantém defensores e é até mesmo nome de escola

Em Visp, Blatter mantém defensores e é até mesmo nome de escola



Genro diz que, em sua cidade natal, dirigente “é habitante como outro qualquer”. Jornalista comenta que presidente da Fifa decidiu deixar cargo por “estar cansado”

 

Se há um lugar em que é fácil encontrar defensores do presidente da Fifa, este lugar é Visp, a cidade de 7,5 mil habitantes cravada entre montanhas no sul da Suíça onde Joseph Blatter nasceu há 79 anos. O dirigente mantém até hoje um apartamento na cidade que, à diferença do resto do mundo, não o vê como o chefe de uma organização afogada em casos de corrupção.

Blatter é dos raros nomes próprios na lista de eventos históricos de Visp. Em meio a inundações (1633, 1860), um incêndio (1518) e batalhas contra invasores (1388, 1810), está lá: “1998 – Joseph S. Blatter, criado em Visp, se tornou presidente da Fifa, a entidade que governa o futebol mundial”. O cartola estava sozinho nessa lista até 2008, quando Stefanie Heinzman ganhou um reality show na Alemanha e se tornou uma "estrela internacional”.

Um ano depois de Blatter sentar-se no trono da Fifa, a principal instituição de ensino da cidade passou a chamar-se “Escola primária Sepp Blatter”. Nem todo mundo gostou. Em 2012, um morador de Visp, Etienne Vogel, tentou liderar um abaixo-assinado para tirar o nome do cartola da fachada da escola, mas falhou em sua cruzada.

O site que recolhia assinaturas mostra que o placar parou em 137 – a última delas coletada em 27 de maio deste ano, dia em que o FBI pôs na cadeia alguns dos cartolas tão poderosos quanto ligados a Blatter. Vogel não respondeu a um pedido de entrevista. O nome de Blatter continua lá.

A proximidade com o editor do jornal local

Hans-Peter Bachtold, editor do Walliser Bote, o principal jornal da região de Visp (Foto: Martin Fernandez)
Bachtold, editor do Walliser Bote, principal jornal da região de Visp (Foto: Martin Fernandez)

Hans-Peter Bachtold, um veterano que cobre Copas do Mundo desde 1986, conhece Blatter desde muito antes de ele ser presidente da Fifa e talvez seja um dos jornalistas suíços mais próximos do cartola. Ele é editor do Walliser Bote, o diário mais importante da região de Visp, que dedica seis de suas 24 páginas diárias à cobertura esportiva – mais do que qualquer grande jornal brasileiro.

– O que Blatter sempre me diz é: “Sou o presidente da Fifa, mas não escolho o time com quem trabalho, não escolho o Comitê Executivo”. Mas agora ficou diferente, porque o secretário-geral é alguém escolhido por Blatter, então é um pouco diferente. Mesmo assim, você não pode controlar as pessoas – diz Bachtold com algum pesar.

O editor sustenta que, se Inglaterra e Estados Unidos tivessem sido escolhidos como sede as Copas de 2018 e 2022 – Rússia e Catar, respectivamente – , não haveria críticas ao presidente da Fifa.

– Blatter não é corrupto, ele vive para o futebol e para a Fifa. Ele não precisa de dinheiro, ele já é rico.

No escritório de Bachtold há duas camisas de futebol enquadradas e autografadas: uma é a número 18 do Brasil, assinada por vários jogadores da Seleção: – Sou torcedor do Brasil desde a Copa de 1982. Vocês perderam em 2014 por causa da mentalidade. E porque não podem ter um camisa 9 como Fred, em nenhuma outra seleção ele jogaria.

A outra é a número 12 do FC Visp, um time da quinta divisão suíça, mas que no passado recente foi vestida por ex-craques do quilate de Ronaldo e George Weah. Há um ano, no aniversário do modesto clube de sua cidade, Blatter convidou uns craques para participar de um jogo-exibição. E os craques foram.

Fora do mundo mágico de Blatter, o FC Visp sofre. Disputa a quinta divisão da Liga Suíça e ocupa o sétimo lugar entre dez competidores. Não é notícia nem no Walliser Bote, que se limita a publicar a classificação e os resultados do torneio. É impossível encontrar uma camiseta do clube nas lojas de esporte da cidade, que faturam bem mais com apetrechos para ski e outros esportes de inverno.

– Com base nas nossas vendas aqui, te diria que o esporte mais popular de Visp é o hóquei no gelo – afirma Frau Pfammatter, gerente da maior casa de artigos esportivos da cidade.

De fato, o EHC Visp, time de hóquei, é orgulho da cidade e também consta daquela lista de grandes eventos históricos. Em 1962, faturou o título da liga nacional de hockey, feito que jamais conseguiu repetir. Hoje está na segunda divisão.

Dominik Andenmatten, genro de Blatter e dono do bistrô Napoleon (Foto: Martin Fernandez)
Dominik Andenmatten, genro de Blatter e dono do bistrô Napoleon (Foto: Martin Fernandez)

Em bistrô do genro, Blatter é uma pessoa comum

Quando troca Zurique, onde fica a sede da Fifa, por Visp, o que acontece duas ou três vezes por mês, a “casa” de Blatter é o bistrô Napoleon, tocado por sua única filha, Corinne, e por seu genro, Dominik Andenmatten. O restaurante – que leva esse nome por causa da rua onde está localizado – é daqueles lugares em que todos os frequentadores se conhecem e ninguém precisa pedir o que quer beber porque quem está do outro lado do balcão sempre sabe o que servir.

É preciso ir para o salão lateral para notar algo relacionado a futebol. Numa prateleira discreta estão miniaturas de quatro taças: a Copa do Mundo, a Copa do Mundo de Futebol Feminino, a Copa do Mundo de Clubes e a Copa do Mundo de Futsal. Entre os troféus, uma “Brazuca”, a bola da final da Copa do Mundo do Brasil. Corinne não está, mas Andenmatten topa conversar sobre o sogro famoso.

– Aqui ele é uma pessoa comum. Desce para o café, senta nessa mesma mesa que você ocupou, conversa com todo mundo, todo mundo conversa com ele. Aqui ele não é o presidente da Fifa, é um habitante de Visp como outro qualquer – diz o genro, com forte sotaque alemão, e se socorre numa das garçonetes para continuar a conversa em inglês.

Andenmatten veste o mesmo avental dos garçons, embora seja o dono do lugar. Conversa com quem aparece ali, ri de algumas piadas, faz outras – “Blatter é o segundo cara mais famoso de Visp, o primeiro sou eu” – conta que jogou handebol na adolescência e não se importa muito com futebol e topa posar para umas fotos perto dos mimos providos pelo sogro.

É bem difícil encontrar em Visp quem seja abertamente crítico ao presidente da Fifa. É mais comum ouvir queixas entre os jovens e os estrangeiros como o italiano Pasquale Vittielo, que trabalha no posto local dos correios e diz: “Blatter precisa sair”. Ou como Vanessa Rieder, que trabalhava como enfermeira num asilo na única vez em que encontrou Blatter.

– Ele estava lá, sorridente, levou umas bolas de futebol e posou para fotografias. Mas ele parece o tipo de pessoa com duas caras. Acho que ele é corrupto e faz bem em sair da Fifa – diz.

Joseph Blatter renuncia Fifa (Foto: Reuters)
Em Visp, Joseph Blatter tem poucos críticos (Foto: Reuters)

Só o que une críticos e defensores do cartola é a constatação de que ele fez bem ao anunciar que vai se retirar do comando da Fifa em fevereiro. Os críticos avaliam que Blatter já foi longe demais, que sua saída vai ajudar a melhorar a imagem da entidade em particular e do futebol em geral. Os defensores se mostram aliviados.

– A imprensa internacional é muito crítica, bate muito forte nele. A família até que não, mas ele sofre. Por isso acho uma boa decisão que tenha se aposentado. Acho que não vai vir para cá morar, deve ficar em Zurique e continuar a nos visitar de vez em quando – diz Dominik Andenmatten, o genro.

– Eu perguntei a ele porque ele renunciou – diz Bachtold, o jornalista. – E ele me disse: “Tem muita gente ao meu redor me dizendo que eu acabei, que eu preciso sair, então eu resolvi sair”. Ele está muito cansado