Anistia Internacional denuncia ‘limpeza étnica’ na República Centro-Africana
Milícias católicas estão atacando população muçulmana do país. Pela primeira vez, ONU fala em dividir o território em duas nações distintas
Rebeldes levantam os punhos ao passar pela cidade de Bangui, na República Centro-Africana (Emmanuel Braun/Reuters)
A organização Anistia Internacional (AI) denunciou nesta quarta-feira que as forças internacionais de paz não conseguiram evitar uma “limpeza étnica” de civis muçulmanos no oeste da República Centro-Africana (RCA). A ONG defensora dos direitos humanos fez um pedido para que as comunidades muçulmanas sejam protegidas das milícias Antibalaka, formada por civis cristãos e acusadas pela organização de “violentos ataques”. Em comunicado, a AI pediu que “as forças de paz internacionais forneçam tropas suficientes nos povoados onde os muçulmanos se encontram ameaçados”. Ban Ki-moon, secretário-geral das Nações Unidas (ONU), pela primeira vez desde o início da crise, em 2013, falou da possibilidade de o país ser dividido em dois territórios, um católico e outro muçulmano.
O resultado dos ataques “é um êxodo muçulmano de proporções históricas”, disse Joanne Mariner, conselheira de resposta a situações de crise da organização. Além disso, Joanne criticou a “morna resposta” da comunidade internacional a esta crise, pois, segundo sua avaliação, as forças de paz foram reticentes para desafiar as milícias Antibalaka e reagiram com lentidão na hora de proteger a minoria muçulmana. As forças de paz “facilitaram a violência em alguns casos, ao permitir que as abusivas milícias Antibalaka preenchessem o vazio de poder”, criticou Donatella Rovera, outra especialista da AI em situações de crise.
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Nas últimas semanas, a AI recolheu mais de uma centena de testemunhos sobre os ataques em grande escala das milícias cristãs contra civis muçulmanos nas cidades do noroeste do país, justamente numa área onde as tropas internacionais não tinham sido enviadas. O ataque mais grave aconteceu em 18 de janeiro em Bossemptele, onde pelo menos 100 muçulmanos foram assassinados, principalmente mulheres e idosos, entre eles um imã de 70 anos. A população muçulmana fugiu de várias cidades e povoados, enquanto os poucos que permaneceram em seus municípios se refugiaram em mesquitas.
República Centro-Africana
No bairro PK 5, na capital do país e centro da comunidade muçulmana de Bangui, milhares de pessoas deixaram suas casas. Em um relato, uma criança contou à Anistia Internacional que em 14 de janeiro o caminhão no qual viajava foi detido em um posto de controle Antibalaka. Os milicianos obrigaram a descer do veículo todos os passageiros muçulmanos e seis membros de sua família foram assassinados: três mulheres e três crianças.
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A atual crise começou após o golpe de Estado do Séléka, grupo formado por rebeldes de maioria muçulmana em um país de população essencialmente católica, o que fez com que o conflito tenha assumido um caráter étnico-religioso. O Séléka tomou o poder após derrubar de seu cargo o presidente François Bozizé em março de 2013. Desde então, durante quase dez meses, os rebeldes foram responsáveis por massacres, execuções extrajudiciais, estupros, torturas e saques, assim como a queima e destruição de aldeias cristãs.
Preocupação da ONU – O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, falou sobre a possibilidade da República Centro-Africana ser dividida como resultado da brutalidade que tomou o país e pediu uma robusta presença da força internacional no país para evitar atrocidades em massa. Ele também alertou que a resposta internacional ainda não condiz com a gravidade da situação.
Ban ainda pediu à União Europeia (UE) para acelerar sua operação militar e considerar um envio adicional de forças. A França já enviou cerca de 4.000 homens à ex-colônia, juntando-se aos cerca de 6.000 soldados em forças de paz de nações africanas.
(Com agência EFE)