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Fim do dever de casa? Escolas brasileiras ensaiam abolir modelo, seguindo prática que ganha força em outros países

Fim do dever de casa? Escolas brasileiras ensaiam abolir modelo, seguindo prática que ganha força em outros países



Corrente de educadores propõe acabar com a tradicional lição fora do horário escolar, medida já adotada por algumas unidades de ensino integral
Por Nicolas Iory e Bianca Gomes — São Paulo

 

Parte da cultura escolar brasileira, o dever de casa — também “lição” ou “tema”, a depender do estado — é defendido com argumentos que passam pelo estímulo ao envolvimento dos pais na formação escolar da criança e o incentivo para o desenvolvimento de autonomia e senso de responsabilidade dos estudantes. Mas a expansão do ensino integral, a busca por tornar o processo de aprendizagem mais atraente e o reconhecimento da existência de realidades desiguais entre os alunos têm levado ao crescimento de uma corrente que propõe a abolição dessa prática da rotina das escolas.

Tarefas ao ar livre

 

Graziela conta que os momentos dedicados à tarefa ocorrem dentro e fora da sala de aula. No caso dos alunos mais velhos, a escola dá autonomia para que eles escolham o local onde se sentem mais à vontade para fazer a lição — pode ser na biblioteca ou mesmo num espaço de convivência ao ar livre.

 

A proposta de abolir o dever de casa, diz ela, tem a ver com a metodologia desenvolvida pelo colégio e adotada também em escolas públicas brasileiras e estrangeiras, em países como Holanda, Índia e Inglaterra. O foco é na aprendizagem significativa, que leva em conta aquilo que os estudantes desejam aprender, mas sem deixar de lado o conteúdo da Base Nacional Comum Curricular (BNCC).

A educadora afirma que a lição é visto na maioria das escolas só como obrigação.

— Se não for estimulante, não gera engajamento. Gera sofrimento. E o aprender precisa estar associado ao prazer — diz a diretora, mestre em História, Filosofia e Didática de Ciências pela Universidade Claude Bernard, em Lyon.

Para a educadora Martha Guanaes Nogueira, autora do livro “Tarefa de casa: Uma violência consentida?” (2002), o dever de casa é historicamente uma atividade de repetição mecânica, de memorização, com “excesso de tarefas que, em vez de serem educativas, apenas sobrecarregam tanto os alunos como os seus pais”.

 

No projeto pedagógico do Espaço Ekoa, na Zona Oeste de São Paulo, há dever de casa apenas em situações excepcionais, como quando a envolve pesquisas com os familiares. A escola considera que as crianças têm tempo suficiente para realizar as tarefas no colégio.

— O período em casa pode ser preenchido por outras vivências: culturais, lúdicas, esportivas, motoras, expressivas, de lazer, cuidados com a casa, entre tantas outras — diz a diretora Ana Yazbek. — Percebemos que o dever acaba gerando tensão e um desgaste emocional grande para as crianças, que já dedicam oito horas diárias à escola.

A diretora pontua que o dever de casa tem um efeito muitas vezes desigual:

— Cada aluno vive em uma configuração familiar diferente. Será que todos podem demandar tempo dos pais para a realização dessa lição? Existe um ambiente propício para essa criança estudar em casa ou ela tem outras atividades para exercer?

 

Exemplos estrangeiros

 

Distritos de estados americanos como Nevada, Iowa, Califórnia e Virgínia passaram a minimizar a aplicação de lições de casa por considerar que a prática prejudica os estudantes que precisam, por exemplo, trabalhar ou cuidar dos irmãos. Além disso, pesquisas realizadas nos Estados Unidos mostram que milhões de jovens não têm a quem pedir ajuda, já que toda a família trabalha fora, enquanto outros não têm acesso a computadores.

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