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“A presidente Dilma deveria renunciar”, diz Hélio Bicudo

“A presidente Dilma deveria renunciar”, diz Hélio Bicudo



Aos 93 anos, o jurista Hélio Bicudo defende a formação de um movimento de união nacional. Mas condiciona sua criação à saída de Dilma Rousseff

Entrevista publicada originalmente na edição 107 de Época NEGÓCIOS, em janeiro de 2016
 
Hélio Bicudo é um homem baixo, não ultrapassa o 1,60 metro de altura, e os 93 anos de idade lhe impingiram uma aparência frágil. Mas quem o vê se aproximar, mesmo que com passinhos curtos, tem a impressão de que um naco imenso da história do Brasil se desloca na sua direção. Hélio Bicudo tem uma presença gigantesca. Ele pertence a uma antiga estirpe de brasileiros, que o presente insiste em não revelar com a mesma profusão. Na ditadura, combateu o Esquadrão da Morte, um bando de assassinos travestidos de policiais. Político, empenhou sua credibilidade na consolidação do PT. Abandonou a sigla ao considerar que seus ideais fundadores foram jogados na lama. No ano passado, voltou à cena pública,referendando o pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff. É impressionante, mas, à sua maneira, ele ainda quer mudar o Brasil. Aliás, é o que faz há quase um século.
 
Época NEGÓCIOS  O senhor correu riscos ao combater o Esquadrão da Morte. Empenhou-se para consolidar um partido, o PT, na tentativa de mudar o Brasil. Hoje, vê o país em uma crise seriíssima. Valeu a pena?
Hélio Bicudo  Sim, claro. Eu acredito firmemente que todas as tentativas com o objetivo de criar uma sociedade melhor, mais harmoniosa, caminhando a trilha do progresso, valem a pena.
 
Época NEGÓCIOS  O senhor tinha medo na época do combate ao esquadrão?
Hélio Bicudo  Nunca tive medo. Era para fazer, eu fiz. Função de ofício. Eu era membro da Procuradoria-Geral da Justiça e andava fustigando o governo para acabar com o esquadrão. Fui indicado para o caso. Na época, as pessoas eram mortas na periferia de São Paulo. O objetivo daquilo era mostrar, ainda que de maneira torta, que a criminalidade estava sendo combatida.
 
Época NEGÓCIOS  Hoje, o que o senhor considera fundamental para a reconstrução do país?
Hélio Bicudo  Temos de fazer muita coisa. Este período é didático. Eu defendo um movimento de união nacional. O momento é propício para isso. Precisamos discutir vários temas. O nosso processo eleitoral fomenta a corrupção. Isso tem de mudar. Talvez, também seja oportuno falar em parlamentarismo. Se adotássemos esse sistema, não passaríamos tanto tempo imobilizados. Mas as mudanças dependem da saída de Dilma. Não posso dar conselho, mas ela deveria renunciar.
 
 
 
O processo eleitoral fomenta a corrupção. Isso tem de mudar. Talvez seja oportuno discutir o parlamentarismoÉpoca NEGÓCIOS  Por que depende da saída da presidente?
Hélio Bicudo  Ela é autoritária. Esse tipo de discussão precisa reunir um conjunto de pessoas. Elas teriam de atuar para encontrar essa unidade que está esfacelada no Brasil.
 
Época NEGÓCIOS  Por vezes, temos a impressão de viver o ocaso da ética no Brasil. Isso é verdade?
Hélio Bicudo  Acho que não. É complicado dizer se melhoramos ou pioramos nesse quesito. Seria preciso uma reflexão mais profunda. Mas creio que, apesar dos problemas atuais, a sociedade avançou. Atualmente, há maior visibilidade na atuação dos agentes públicos.
 
Época NEGÓCIOS  Muitos creem que atingimos o fundo do poço da ética.
Hélio Bicudo  Não vejo assim. Em parte, o processo de impeachment mostra isso. O que passamos a discutir também é uma questão ética. Quando um governante não realiza o que se propôs a fazer, é o momento de insurgir e dizer: espera aí, democracia não é autocracia.
 
Época NEGÓCIOS  Mesmo que o processo seja conduzido por um político acusado de participar da Lava Jato, como o deputado Eduardo Cunha?
Hélio Bicudo  O Eduardo Cunha é um funcionário. O impeachment tem de passar pelo presidente da Câmara. É só isso.
 
Época NEGÓCIOS  O impeachment foi comparado a um golpe. O senhor concorda?
Hélio Bicudo  De modo algum. As pessoas que apoiam este desgoverno querem permanecer no poder e auferir suas vantagens. Por isso, tentam pintar o impeachment dessa maneira, uma forma fácil de conduzi-lo perante a população. O fato é que existem irregularidades. Elas foram apontadas no processo. Mas a questão é política. A atual discussão não é paroquial. É abrangente. Mostra os descaminhos da administração. O impeachment é uma maneira de a sociedade dizer que não está satisfeita com a forma pela qual o país está sendo conduzido. Mesmo que Dilma permaneça, de qualquer maneira, fica a lição. Se ela continuar sem fazer nada, vai acontecer outra vez. Outro pedido vai surgir.
 
Época NEGÓCIOS  A impressão é que o país carece de líderes. Não vemos figuras como o senhor surgirem no cenário público. Por quê?
Hélio Bicudo  Acho que elas surgem, talvez não estejam tão visíveis. Mas essa visibilidade depende um pouco da ação do tempo. Essas pessoas têm de ser conhecidas pela população. Isso só acontece com o passar dos anos. O Congresso também tem políticos relevantes. Não gosto de citar nomes, mas eles estão lá. O Brasil também está combatendo a corrupção. O que está sendo feito nessa área é altamente significativo. O juiz Sérgio Moro, por exemplo, está atuando muito bem. A existência de membros da magistratura e do Ministério Público que possam realizar esse tipo de trabalho é fundamental.
 
Quando o governante não cumpre o que prometeu é o momento de dizer: espera aí, democracia não é autocraciaÉpoca NEGÓCIOS  O que o senhor acha da fragmentação da Lava Jato, tirando partes do processo do controle do juiz Sérgio Moro?
Hélio Bicudo  Um equívoco. Se abrir demais, ela vai diluir. O processo corre o risco de enfraquecer. Como estava, vinha funcionando. Deveria ser mantido assim.
 
Época NEGÓCIOS  Por que o senhor se desiludiu com o PT?
Hélio Bicudo  Houve um desvio de metas muito grande por parte do Partido dos Trabalhadores. As pessoas achavam que o PT poderia contribuir para a diminuição do espaço que separa a pobreza da riqueza no Brasil. Nós pensávamos que, no partido, os interesses individuais iriam ceder aos da sociedade. Não foi isso o que se viu. Ao invés de querer dar, ele quer receber. A Petrobras está às traças. Esse é o grande fator do desequilíbrio que estamos vivendo. E não é um partido democrático, não é coletivo. Quem manda é o Lula. Nesse aspecto, ele preenche as condições de um caudilho.
 
Época NEGÓCIOS  O senhor levantou dúvidas sobre o enriquecimento do ex-presidente Lula. Ele negou e disse que pensou em processá-lo. Teme que isso aconteça?
Hélio Bicudo  O que disse, está dito. Não volto um centímetro atrás. O problema não é meu. É dele. Ele que tem de demonstrar como enriqueceu.
 
Época NEGÓCIOS  Hoje o senhor não integra nenhum partido. Como se define politicamente? Mais à esquerda, à direita…
Hélio Bicudo  Não me vejo em nenhum desses pontos. Me vejo somente como um cidadão que exerce sua cidadania. 
 
Fonte: Época NEGÓCIOS