Como é possível sobreviver a um voo no trem de pouso?
Especialistas tentam explicar caso de adolescente da Califórnia que pode ter entrado em estado semelhante à hibernação
Risco de vida e possibilidade de sequelas são enormes; menos de 24% sobreviveram a tentativas como essa desde 1947
O adolescente da Califórnia que voou até o Havaí no trem de pouso de um avião: caso foi considerado um milagre pelo FBI Chris Sugidono / AP
MAUI, Havaí — Quais são as chances de que alguém invada uma pista de aeroporto, entre no trem de pouso de um avião e saia ileso após cinco horas de voo a cerca de 900 km/h, enfrentando uma temperatura de até 62°C abaixo de zero, ar rarefeito e risco de queda a 11,5 mil metros de altura? Foi o que aconteceu com o jovem que sobreviveu na tarde do último domingo, e que pode ter entrado em estado de hibernação.
O adolescente de 16 anos que havia fugido de casa em Santa Clara, na Califórnia, invadiu a pista do aeroporto de Mineta, na vizinha San Jose. Ele passou despercebido, mesmo flagrado pelas câmeras de segurança. O jovem subiu no pneu esquerdo de um avião da Hawaiian Airlines e, de lá, se escondeu em um canto do trem de pouso, perto de onde o equipamento de decolagem e aterrissagem fica guardado durante o voo.
Nas condições em que o garoto estava dentro do avião durante a maior parte do voo, a sobrevivência é muito difícil. A velocidade média de cruzeiro é acima de 850 km/h, e, no caso do voo 95 da Hawaiian, a altura é de cerca de 11,5 mil metros e a temperatura de cerca de até 65° abaixo de zero. O ar se torna extremamente rarefeito nestas condições, que equivalem a uma subida muito mais rápida e muito acima do tamanho do monte Everest.
Apesar dos riscos, tudo o que houve com o jovem durante a empreitada foi, aparentemente, uma perda de consciência. Cerca de uma hora após o avião pousar na pista do aeroporto de Maui, ele recuperou os sentidos e desceu da aeronave. Dali, foi finalmente avistado pelas autoridades. Caso o rapaz tivesse continuado inconsciente por mais tempo, poderia ter acabado mais uma vez no ar — sem sobreviver.
Mesmo protegido contra a velocidade que o sugaria para fora do trem de pouso — o compartimento fica fechado entre decolagem e aterrissagem —, o garoto poderia facilmente ter morrido. Por lá, o oxigênio também é escasso e as temperaturas são pouco maiores do que a temperatura externa, mas não o suficiente para proteger uma pessoa. No caso, a única explicação plausível seria que o jovem tivesse entrado em uma espécie de estado de hibernação, iniciada pela repentina perda de consciência com o ar rarefeito, explicam especialistas ouvidos pela CNN.
Segundo a Administração Federal de Aviação (FAA), nas condições em que ele estava, seria muito comum que tivesse morrido. Ele pode ter sobrevivido porque, nesse estado, sua respiração, os batimentos cardíacos e atividade do cérebro são reduzidos, o que preserva o sistema nervoso de um colapso. Assim como um urso polar, o organismo atua de forma mínima, o suficiente para não garantir a morte e proteger do frio externo.
Há também um grande risco de sequelas: a ausência de oxigênio no cérebro pode causar problemas neurológicos permanentes. Outros órgãos podem ser afetados pelas baixas temperaturas às quais o rapaz ficou exposto, correndo também o risco de trombose e falência renal. De acordo com Tom Simon, porta-voz do FBI, o adolescente não se lembra do que aconteceu durante o voo. Para Simon, ele teve “muita sorte de estar vivo” e sem sequelas aparentes.
O Instituto Médico do Espaço Aéreo Civil (CAMI), da FAA, divulgou que, desde 1947, 105 pessoas se esconderam no trem de pouso de aviões. Apenas 25 sobreviveram, o que equivale a menos de 24% dos que tentaram. Apesar da invasão à pista e ao Boeing, o jovem não foi acusado de qualquer crime.